A crise que abate a
igreja moderna do século XXI, como resultado de uma transformação sociopolítica
em que está inserida, tem como promotores aspectos internos e externos a ela.
Internos quando se torna lugar privilegiado de
refúgio social, mas a isso muito pouco responde. Isso porque, além do aspecto
espiritual, religioso, a igreja desde sua fundação é um lugar privilegiado de
ajuda social e psicológica. São pessoas que buscam na igreja, em razão de um
fosso de desamparo estatal, comunitário e familiar, formas de amenizarem o seu
sofrimento e maximizarem o seu prazer. Essas pessoas são aqueles doentes para
quem Jesus Cristo também morreu e comissionou a igreja para cuidar. Todavia,
nesse ambiente interno múltiplo, salta o despreparo da liderança das igrejas
que muito pouco sabe lidar de maneira eficaz e efetiva com esse conjunto de
transformações internas. Esse despreparo, ainda que não visto por todos,
acarreta para a própria liderança, mas principalmente para a igreja, mais
problemas que soluções.
Externos quando a estrutura sobre a qual a igreja
moderna tem se assentado não mais oferta uma ajuda profunda e transformadora. A
igreja ocidental moderna se tornou um grande supermercado da fé. A diversidade
de igrejas, com suas orientações litúrgicas, as formas variadas de manutenção
de sua estrutura fogem quase que completamente da uniformidade de uma
verdadeira Igreja. Perde-se a essência da verdadeira relação com Deus quando
são abertas cada vez mais exceções e modernizações no seio da igreja. Valores
passam a ser mais hedônicos que transcendentais, mais egoístas que filantropo.
A igreja passa a ter como parâmetro quase único a busca da felicidade. E a este terrível "mandamento", ainda que pretensamente se queira o bem, relegam-se à vergonha ou à
enfermidade aqueles que não se adequam a esse paradigma.
Esse quadro,
essencialmente sociológico e psicológico que acabo de minimamente pinçar,
implica consequências bastante trágicas para a igreja e sua liderança. Entre elas
está o adoecimento das lideranças. Para se ter uma ideia, pesquisa publicada há
15 anos, indicou que dos 28 respondentes, 25 (quase 90%) apresentavam um quadro
depressivo. Além disso, mais da metade (16 respondentes) indicou problemas com
álcool e ansiedade. Ou seja, os líderes das igrejas, e não apenas os líderes
religiosos, precisam também de ser cuidados.
Portanto, se pudéssemos
trazer alguma luz (isso porque não aprofundarei em qualquer um dos aspectos
tratados tendo como objetivo apenas lançar questões devem ser esmiuçadas em
outras oportunidades) à discussão de um melhor preparo dos líderes, inclusive
anteriormente à assunção de suas responsabilidades eclesiásticas, no tocante ao
sofrimento psicológico (e não necessariamente depressão), dividiria em três
momentos:
CAUSAS ANTERIORES AO SOFRIMENTO – Aqui há GRANDE
URGÊNCIA NA PREPARAÇÃO, anterior e continuada, DO LÍDER.
1.
Vida de encarceramento – Uma série de
problemas psicológicos anteriores à vida eclesiástica (psicose, por exemplo) permitem
que o líder religioso sucumba mais facilmente às dificuldades da igreja.
Problemas pessoais sérios podem se multiplicar negativamente na vida do líder
religioso e afetar também a igreja (autoimagem negativa, problemas com sono,
dificuldade em confiar em outras pessoas, stress, culpa, ódio, abuso sexual,
violência física, dificuldade em perdoar, entre outras).
2.
Perseguição religiosa – Saindo da seara
da violência urbana ou ainda da perseguição em função de assunção religiosa
diferenciada, os líderes da igreja local sofrem também a perseguição de seus
pares. Convicções (religiosas ou não), valores diferentes podem dar causa a perseguições
internas que são mais degradantes que as se fossem praticadas por pessoas externas
à igreja.
3.
Sensação de vazio religioso – Em razão das
influências internas e externas à igreja, relatadas no início desse texto,
muitos líderes se veem perdidos em suas crenças teológicas e religiosas. Sob
uma era da informação, a inundação constante de informações afeta a triagem do
que deve ou não ser seguido. Além disso, o enfrentamento, quase solitário, do
líder de uma sociedade em constante mudança implica lidar com questões até
então não pensadas na igreja tradicional. Por exemplo, com a separação
constante de casais na igreja, com o crescente envolvimento de jovens da igreja
com drogas e álcool, ou ainda, com a sedutora carreira de evangélicos na
política (ambiente sabidamente promíscuo). Além disso, a modernidade permite um
tempo cada vez menor à experiência religiosa. Temos cada vez mais agenda cheia
de conteúdo, mas uma subjetividade vazia de sentidos e propósitos estáveis.
4.
Problemas familiares – A
desestruturação familiar também atinge a igreja e seus líderes. Outros modelos
familiares hoje vigentes (monoparentais, homoafetivos, poliamor etc) vêm sendo impostos
diariamente pela sociedade, mas os problemas enfrentados pelo núcleo familiar
mais próximo do líder religioso local são aqueles, em sua maioria, o da família
tradicional o que envolve filhos, esposo, esposa, irmãos, pais. E como se fosse
suficiente o presente conjunto de problemas, nesse caso, há de se vislumbrar
outro ancorada na transgeracionalidade que se mostra como um risco muito
premente e danoso à vida pessoal do líder.
5. Problemas
financeiros – O problema financeiro não se traduz apenas na ausência do
dinheiro na conta bancária, mas também da internalização de valores
utilitaristas por parte de muitos líderes. Ratificados, muitas vezes, por uma
teologia da prosperidade, o problema financeiro, em sua maioria, é consequência,
e não causa, de outros problemas. Consumir de maneira desenfreada e não poder
satisfazer todos os desejos trazem grande frustração a qualquer pessoa. Tal frustração
carrega aspectos de natureza econômica, mas também psicológica. Aqui são expressos desejos, carências e
necessidades do sujeito, ou seja, tudo aquilo que falta ao homem. Todavia, por
ser este um pai, um irmão, um líder, a angústia da frustração
(econômico/financeira e também psicológica) pode se multiplicar negativamente.
EXPERIÊNCIAS DURANTE O SOFRIMENTO – Aqui o sofrimento
ocorre. A igreja tem o dever de dar suporte e enxergar o sofrimento como parte
NATURAL da vida.
1. Normatização para
o sofrimento – “Se você segue
Cristo, tem que se acostumar a isso”. Essa visão traz consigo, em contraste
à visão do super líder, que o sofrimento é sinal de fracasso espiritual. Esse
princípio, muitíssimo comum entre cristãos, acarreta ainda vergonha e medo das
consequências de assumir seu sofrimento, o que, inclusive, permite que outros
problemas sejam escondidos. Sob
esse viés, muitas normas, princípios, receitas são repassadas dentre das
igrejas como se fossem suficientes e mágicas diante das incertezas e recorrências
da vida. Contudo, qualquer princípio dessa natureza será insuficiente diante do
ciclo natural do sofrimento.
3.
Crença num propósito maior – Uma
visão de super líder, de infalibilidade, esconde a possibilidade de vivenciar
uma vida mais feliz na atividade realizada. Dado o comissionamento
para o pastorado como atividade laboral, o líder pode e deve enxergar sua
atividade como parte de uma grande engrenagem em que há espaço para
substituição e para reposicionamento. Assim, não se enxerga o comissionamento
como um super poder, uma santidade superior que podem enfrentar o mudar o
mundo.
4.
Identificação com o sofrimento de Cristo e de seus
discípulos. Identificar-se com o sofrimento alheio é uma
estratégia que pode não ser a melhor para superar a crise. Identificação,
dentro da teoria psicanalítica, é um processo pelo qual um sujeito assimila um
aspecto, uma propriedade ou um atributo do outro e se transforma, total ou
parcialmente, a partir daquele modelo. Todavia, as virtudes inalcançáveis dos
grandes mártires da fé tornam essa identificação inalcançável e pode resultar
em sentimentos permissivos àqueles que intentam se assemelhar ao sofrimento
daqueles. Alguns desses sentimentos são culpa, medo, ódio. Portanto, a identificação pode ser uma grande armadilha e muito pouco é eficaz na superação do sofrimento.
5.
Ressignificação das Escrituras e das experiências divinas . Aparte das experiências sobrenaturais
religiosas em si que podem auxiliar comprovadamente no auxilio do sofrimento,
pode-se dizer que há três modos de enfrenta-lo no espectro da experiência
religiosa:
(a) um
estilo de autodireção – o indivíduo é quem toma a direção da solução e
deixa Deus num papel passivo.
(b) um
estilo passivo – o indivíduo é completamente passivo e deixa Deus tomar
conta de tudo.
(c) um estilo colaborativo –
o indivíduo e Deus trabalham em parceria a fim de resolverem os problemas.
Nesses três estilos, há vantagens e desvantagens. Assim, é preciso uma autoavaliação que se preste adequada à personalidade, às experiências passadas e ainda às expectativas futuras.
EFEITOS POSTERIORES AO SOFRIMENTO – Depois da tempestade vem a bonança, mas também vem, ao
menos teoricamente, ressignificações de vários aspectos da vida. E aqui, é preciso coragem e determinação para assumi-las.
1.
Redefinição do que seja sofrimento pessoal Pensar nas oscilações da vida como sendo natural,
permite que se observe o sofrimento não como um estado perene, mas transitório. Ligar os vários momentos da
vida, de sofrimento inclusive, pode te fazer compreender mais dela e,
principalmente, permite que nos tornemos mais robustos para continuar. Assim, o sofrimento é também tempo de aprendizagem.
2. Mudança de foco
de si para um propósito maior. Enxergar um outro propósito
de vida, além da experiência religiosa, permite experiências mais proveitosas,
de maior complexidade. Esse
processo avaliativo traz maior prazer ao trabalho da liderança e à vida como um
todo.
3.
Reconhecimento dos próprios limites. Enxergar a limitação humana é parte do
autoconhecimento e de crescimento pessoal. Essa possibilidade de crescer depois
da crise, ao que chamo de resiliência, é desenvolvida através de outros
processos dinâmicos de autoconhecimento, de busca de sentido e de significado. Nesse
processo é preciso que o líder seja capaz de responder clara e inequivocamente a
perguntas como:
a)
O que eu tenho de melhor?;
b) O que me faz feliz?;
c) Qual é a minha essência
e, por isso, onde me sinto melhor?
d)
Estou mesmo no caminho certo?
e)
Aonde quero chegar?
4. Confiança maior em
Deus A experiência religiosa da superação do sofrimento implica um abandono
de aspectos da religiosidade que outrora eram importantes. O verdadeiro
significado da experiência religiosa em nossas vidas, depois de um período de
sofrimento, é traduzida por um sentimento de abandono de certos conceitos,
valores, erros, limitações, o que nos conduz a uma ligação mais genuína com o transcendente.
"Porque para mim tenho por certo
que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em
nós há de ser revelada." Romanos 8:18
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