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Quando mais imagens é menos imagem de vida


Há algum tempo uma amiga me disse que lugares onde tivemos experiências fantásticas, a priori, não podíamos voltar senão por obrigação. Estas férias voltei (ou tive que voltar) a um lugar bastante pitoresco deste nosso Brasil. Lugar de praias magníficas. Lugar onde o tempo e o desenvolvimento parecem ter efetivamente parado.  Lugar onde, mesmo com sua simpatia de antes, poucas coisas realmente mudaram e duas delas foram as pessoas e suas relações.


Mudaram as pessoas, mudaram os costumes, mudaram forçosamente a cultura do povo. Muitas coisas podem ter contribuído para essa(s) mudança(s), mas volto a discussão para apenas uma delas:  a commoditização das pessoas. Entenda-se aqui commoditização como um processo de criação/quantificação de valor de um produto/pessoa.  Certo é que tal processo não é recente, mas resultado de uma série de transformações sociais em nível mundial.

Todavia, ao me recordar do lugar para onde fui há mais de uma década e fazer um comparativo com o que acabo de ver, traz-me a comprovação de que essa commoditização mediada pela tecnologia é um caminho sem volta e um caminho de esvaziamento nas relações interpessoais. Essa tecnologia levada a cabo em qualquer lugar e a qualquer tempo é, por certo, resultado de uma sociedade líquido-moderna consumista, nas palavras de Bauman. Essa tecnologia, quase onipresente, tira a atenção do que realmente se deve olhar, fazer, conhecer, tocar, sentir, viver. 

Há, nesse momento de lazer com os celulares smarphones, por exemplo, a possibilidade de trazer o mundo para o momento vivido e levar o momento para o mundo. Contudo, essa troca repetida 24h no dia impede de ampliarmos, antagonicamente, até mesmo o repertório de nossas imagens. Não importa mais o externo, o caminho, a ação, a paisagem, mas simplesmente a imagem, seja ela do que for e onde for. Numa tentativa incansável de ser visto e reconhecido pelo mundo virtual, as pessoas estão se encapsulando cada vez mais.

Na praia, por exemplo, lugar primaz de movimento, contemplação, lazer, todos têm seu smartphone à mão. Seja na água ou fora dela, a criação de ícones de mediação quase obrigatória com o mundo impede de vivenciar e gozar o momento de lazer. Seja pelas insanas selfies, seja pela conversa interminável com o amigo que ficou, ou com a continuidade do trabalho que ainda ficou por fazer, ou ainda pela leitura e curtição pelo facebook. E disso algumas perguntas inevitáveis são: cadê as fotos? O que você está fazendo? Onde você está agora?

Talvez porque o ócio em si é mal visto na sociedade capitalista, onde apenas o trabalho é dignificante.  Talvez porque a constante busca de prazer pelo consumo gera também a necessidade de reconhecimento. Pouco importa a explicação disso, o que realmente se observa é que hoje, nos momentos de lazer, na constante quantificação das pessoas e momentos, poucos sabem ver as belezas, as diferenças, os contrastes singelos que existem ao redor.  Poucos sabem absorver da cultura local algo eterno para si.  Poucos sabem aproveitar o momento que não passa.  Poucos entendem que o destino final, da vida inclusive, é apenas uma parte desse grande passeio. Poucos sabem viajar com a mente, o espírito aberto para novos (talvez momentâneos) hábitos. Poucos sabem se aventurar por experiências novas, ainda que algo possa dar errado.



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