Pular para o conteúdo principal

Além da esperança e dos Muros ....




 Ler o livro e ver ali, na sua frente, o tal Muro é muito marcante.

Embora o Muro ainda esteja lá visível, há diversos outros sendo construídos diariamente. Uns visíveis (como o de Israel), mas infelizmente, os invisíveis que são igualmente piores (ex. preconceito racial, étnico, social). Espero que nunca mais se repitam essas atrocidades. E que possamos, juntos, ser instrumentos que impeçam que tal atrocidade se repita na minha casa, no meu bairro, na minha cidade, no meu país, mas principalmente, no meu mundo Terra e no meu mundo EU!

"Caminharam rapidamente; Leamas olhava de vez em quando por cima do ombro para se certificar de que ela o seguia. Ao chegar ao fim do beco parou, aproximou-se de uma porta e consultou o relógio.
-Dois minutos – segredou.
Ela não disse nada. Olhava em frente, na direção do Muro e das sombrias ruínas que se erguiam para lá dele.
-Dois minutos – repetiu Leamas.
Tinham pela frente uma faixa de trinta metros, que acompanhava o Muro em ambas as direçõe. A uns setenta metros à direita deles havia uma torre de vigia; o feixe do seu projetor incidia na faixa. A chuva miúda pairava como que suspensa no ar, dando à luz das lâmpadas um tom pálido e esbranquiçado, ocultando o mundo que existia do outro lado. Não se via vivalma; não se ouvia um som. Era um palco vazio.
O projetor da torre de vigia começou a esquadrinhar o Muro, avançando em direção ao local em que eles se encontravam, hesitante; de cada vez que se detinha, eles conseguiam ver os tijolos um por um, bem como as descuidadeas linhas de argamassa aplicada à pressa. Enquanto o observaram, o feixe deteve-se mesmo em frente deles. Leamas verificou as horas.
-Pronta? – perguntou.
Ela acenou afirmativamente.
Pegando-lhe no braço, começou a caminhar convictamente pela faxia adiante. Liz quis correr, mas ele segurava-a com tal força que não conseguiu. Estavam já a meio caminho do Muro; tenho o feixe imediatamente acima deles, o vívido semicírculo de luz instigava-os a avançar. Leamas estava determinado a manter Liz muito chegada a ele, como se receasse que Mundt não cumprisse a palavra e arranjasse maneira de lha arrebatar no último momento.

Estavam quase no Muro quando o feixe se desviou de súbito para o norte, deixando-os momentaneamente numa escuridão total. Sempre a agarrar o braço de Liz, Leamas conduziu-a às cegas para diante, com a mão esquerda estendida até sentir repentinamente o áspero contato do tijolo. Agora conseguia distinguir o Muro e, erguendo a vista, a tripla fiada de arame e os cruéis ganchos que o seguravam. Tinham sido cravadas cunhas metálicas nos tijolos, como se fosse pitons de alpinistas. Agarrando-se à mais alta, Leamas içou-se rapidamente até alcançar o cimo do Muro. Puxou com força o arame de baixo, que veio atrás, já cortado.
-Anda – sussurrou ansiosamente -, começa a subir.
Espalmando-se, baixou o braço, agarrou-lhe a mão que ela mantinha erguida e começou a içá-la lentamente quando o pé dela encontrou o primeiro espigão de metal.
De súbito, parecia que o mundo inteiro se convertia em chamas; de toda a parte, tanto de cima como dos lados, convergiam luzes potentes que incidiam sobre eles com uma precisão feroz.
Encadeado, Leamas virou a cabeç, puxando furiosamente pelo braço de Liz. Agora ela oscilava livremente; pensou que tivesse escorregado e chamou freneticamente por ela, continuando a atraí-la para si. Não via nada; apenas uma confusão louca de cores a bailar-lhe diante dos olhos.
Foi então que se ouviu o gemido histérico das sirenas e soaram ordens freneticamente gritadas. Meio ajoelhado em cima do Muro, serviu-se de ambos os braços para agarrar os da rapariga e começou a puxá-la centímetro a centímetro, por pouco não caindo.
Foi então que eles dispararam – tiros isolados, três ou quatro – e ele sentiu-a estremecer. Os seus braços esguios escorregaram-lhe das mãos. Ouviu uma voz em inglês vinda do lado ocidental do Muro:
- Salte, Alec! Salte, homem!
Agora toda a gente gritava. Inglês, francês e alemão misturados. Ouviu a voz de Smiley, muito perto de si:
-A rapariga? Onde está a rapariga?
Protegendo os olhos com a mão, dirigiu a vista para a base do Muro e conseguiu vê-la, caída, imóvel. Por um momento hesitou; depois, muito devagar, voltou a descer pelos mesmos espigões, até ficar ao lado dela. Estava morta; tinha a cara virada para o lado e o cabelo preto a tapar-lha, como que para a proteger da chuva.
Dir-se-ia que eles hesitavam antes de disparar de novo; houve alguém que vociferou um ordem, mas mesmo assim ninguém disparou. Então alvejaram-no, com dois ou três tiros. Leamas lançou um olhar enfurecido em volta como um touro alucinado na arena. Ao cair, viu um pequeno carro esmagado entre dois grandes caminhões e crianças a acenar alegremente à janela."

Adaptado de “O espião que saiu do frio” de John le Carré



Comentários

Postar um comentário

Comente e deixe seu contato para estabelecermos uma melhor comunicação

Postagens mais visitadas deste blog

Uma aventura escandinava. Osmundos e outros diferenciados. Parte 2

Lá aportando tive um susto. Havia por ali uns quenianos com roupas coloridas, tênis para correr, malas de esporte. Cheguei até a pensar que o ônibus era de alguma delegação olímpica e nos levaria pra Londres. Ou quem sabe uma versão antecipada da São Silvestre em São Paulo. Quando olhei para o outro lado, pensei que definitivamente meu ônibus não iria para Oslo, mas para Meca. Eram tantos árabes e turcos, com suas túnicas, turbantes, barbas enormes, sem falar das mulheres com véu ou burca. Faltou mesmo só um deles ali estender o tapete e começar a rezar, já nos indicando o caminho pra cidade sagrada (toda vez que eu me lembro disso fico a pensar: será que, em viagem, essa povo leva também uma bússola para essa tal orientação???). Pra piorar meu desespero, chegam por ali uns quatro bolivianos e sacam subrepticiamente do bolso umas folhas verdes e as tacam logo na boca. Será que vamos pra Meca, São Paulo, Machu Picho ou Oslo? Enfim, só Deus sabia a resposta e o que me aconteceria. ...

Comecemos a sorrir. Não nos custa nada!!!

Nós seres humanos temos seis bons motivos para sorrir cada dia. As pessoas risonhas vivem mais, gozam de maior saúde, tem melhores relações, são mais atraentes, desenvolvem sua inteligência e disfrutam de maior equilíbrio emocional, segundo alguns estudos. Para um bom humor, incluindo se não estão em seu melhor momento, seu sorriso transmite afeto, confiança e aceitação. Claro que nem todos os sorrisos são iguais. Guilherme Duchenne foi um médico francês que no século XIX estudou o tipo de sorriso que produz estes benefícios, denominado sorrido Duchenne. Um sorriso que envolve canais neurológicos com os centros emocionais do cérebro e a zona do córtex que regula os processos intelectuais. Nos bebês, por exemplo, o sorriso indiscriminado está associado à necessidade vital de apego. Indica que as pessoas lhe são interessantes porque os oferecem muitas possibilidades de intercâmbio e aprendizagem. A partir dos cinco meses, o bebê sorrirá apenas a quem reconheça como familiar,...

Freud não morreu. Ele está vivo e mora no sul do país.

                    Isso mesmo, caros amigos, Freud não morreu. Estive com ele na minha última viagem que fiz ao interior do país. Que emoção!                Pensei que se tratava de uma brincadeira qualquer, mas durante uma apresentação que fazia a alguns empresários no interior do sul do país, o camarada chegou (atrasado - pasmem vocês, ele já pegou essa mania brasileira), sentou-se, e prestou-me sua atenção. O que me impressionou, no entanto, foi o que disse após o evento. Ele me confessou que tinha gostado muito do tema da apresentação e que, por acaso, também estava desenvolvendo trabalhos sobre desenvolvimento sustentável ali naquela cidade. Meu Deus. Freud e Marina Silva estão agora lutando por uma mesma causa!              ...