Pular para o conteúdo principal

Uma aventura escandinava. Osmundos e outros diferenciados. Parte 1


Por acaso alguém aí sabe quem é o rei da Suécia? Claro, sem consultar o grande mestre Google. Pois então, eu também nem sabia que existia rei por aquelas bandas escandinavas até o dia que eu recebi um email dele. Sim, caros leitores, recebi um email do rei da Suécia me convidando para um congresso mundial sobre assistência social, em Estocolmo. Pensei que fosse alguma brincadeira, afinal, não é qualquer dia ou qualquer um que recebe um email de Sua Majestade. Fui então checar a veracidade da história e estava lá, o Congresso era mesmo verdade e realmente havia um rei na Suécia.

Diante dos fatos, e pra não fazer feio com Sua Majestade, resolvi aceitar o nobre convite pra falar sobre meu trabalho de doutoramento na cidade sueca. Respondi, assim, meio no impulso e na empolgação, dado que o clima baiano de Salvador (onde estava quando vi o tal email) estava tirando-me todos os fôlegos e todas as razões (ahhhh…).


Dado esse lapso de loucura e insanidade, tinha que criar um plano do tipo 007 ou McGuiver para levantar dinheiro a fim de ir a Estocolmo ver esse rei sueco e, de quebra, falar sobre a sustentabilidade. Fiquei a pensar sobre o que realmente deveria fazer para ver o rei e cheguei à conclusão (dada minha criatividade do tipo tico e teco) de que venderia brigadeiro na faculdade, faria rifas de alguns bens preciosos (os últimos, aliás) e, claro, pediria dinheiro emprestado aos amigos (que neste caso, resumiu-se a apenas uma pessoa bem especial).

A luta foi grande, sobretudo vender brigadeiro na porta da igreja e das faculdades, vender as rifas entre os amigos e a família (como aquelas de festa junina) e também esperar o montante total ser depositado (de 500 em 500 eu consegui o montante que precisava ...eheheh). Enfim, consegui levantar a grana para o tal congresso sob a benção do rei. Dinheiro em real, transformado em coroa sueca é igual alguém chegar e se gabar em falar Esperanto. Não vale lá muita coisa. Meu Deus, naquele país, tudo é muuuuuuito caro. Contudo, convite real, é convite real. Passagem comprada e hostel reservados. Agora era esperar o dia do embarque.

Dia chegado. Avião tomado. Carimbo no passaporte na entrada. Estada em hostel em Lisboa. Avião tomado de novo. Dez horas de espera na conexão (ainda bem que estava com um amigo brazuca no aeroporto). E finalmente, capital sueca. Claro que não pensei que o rei estaria ali para me receber, mas de repente uma fotinha dele de braços abertos, saudando a mim e a meu amigo, ou, de repente, algumas suecas todas sorridentes e distribuindo brindes (como lá em Fortaleza) já estaria de muito bom tamanho. Tudo bem, não havia nem um e nem outras (sic). O jeito era pegar um bus e ir pro centro tentar se aventurar em achar o hostel reservado.

Depois de quase meia hora perdida no centro em meio a revisão a cada 450 metros de alguns conceitos, sobretudo quando passava uma sueca por mim, cheguei ao hostel, já meio esbaforido. Fui recebido muito bem, mas também com uma notícia bem diferente, digamos. Na Suécia, é costume tirar os sapatos antes de entrar em casa, e ali no hostel eles também seguiam o tal costume. Então, na entrada, havia lá vários sapatos soltos e perdidos. Achei aquilo estranho, mas, como dizem “em Roma, como os romanos” (embora tenha uma preferência pessoal para um outro final ….como as romanas). Tirei os sapatos, mas fiquei super pensativo. Puxa vida, será que amanhã de manhã meu sapato estará aí novamente ou algum moleque de rua vai passar e levá-lo? Sei lá, para ser educado, resolvi deixar e, de quebra, fui orando pro quarto pedindo um milagre.

No dia seguinte, acordei, descalço e, claro, fui correndo ver se meu sapato estava lá. E …….acreditem vocês ou não: estava lá como o mesmo chulé do dia anterior. Tomei um café meio fajuto, botei o blazer quadriculado xadrez que havia levado (presente de segunda mão de um irmão que se compadeceu com essa minha viagem à Escandinávia) e segui para o congresso.

Chegando ao evento dei-me conta do que o convite de um rei tinha mesmo causado, não só em mim, mas também em pessoas do mundo todo. Eram pessoas do Japão, de Portugal, da Espanha, dos Estados Unidos, do México, do Uruguai, do Congo, da Eritréia (sim existe um país africano com esse nome!), da Nova Zelândia, do Brasil (claro), e imaginem vocês, até mesmo da Suécia. Sim, aquilo ali era uma torre de Babel fantástica! Fiquei meio deslumbrado com o imenso impacto que um congresso daquela envergadura poderia causar se as pessoas multiplicassemn o que aprenderiam e receberiam naqueles dias.

À noite, de volta ao hostel, de novo tive que tirar o sapato na porta e aumentar minha fé 6 vezes (na noite anterior, tinha sido pelo menos 20 vezes) para crer que o sapato estaria ali no outro dia também. Com um McLanche feliz na barriga fui rever minha apresentação do dia seguinte. Repassei as principais falas, ideias e aproveitei para checar as informações do passeio que faria com um amigo no outro dia. Parecia um local bacana aquele escolhido (Erikson Globe). Fui, então dormir, sonhando com aquele passeio e, claro, pensando no meu sapato do lado de fora do hostel.

Acordei cedo para não atrasar. Coloquei novamente o mesmo blazer xadrez e segui para a porta para ver o quão minha fé era impossível. E creiam, vocês, os sapatos estavam lá, só que desta vez pareciam que tinham menos chulé que no dia anterior. Acho que os ares escandinavos fazem bem para nós humanos e também para nossos sapatos. Hora e local marcados seguimos para o Globe. Pensei mesmo que fosse ficar de queixo caído, mas, devo confessar que não teve lá tanta graça assim. Graça mesmo era o que tínhamos que ter, eu e o amigo, para chegarmos ao local do Congresso em 50 minutos. Certamente se fosse em São Paulo, ou Brasília, era pra sentar, chorar e se desesperar mesmo (toda a venda de brigadeiros, as rifas e o dinheiro emprestado não teriam valido nada). Mas, como na Suécia, o sistema de transporte realmente funciona, deu tempo para comer outro McLanche Dia Feliz na estação central e seguir para o evento e chegar no tempo exato para a apresentação.

Era o primeiro de três autores que se apresentariam. Deram-me até microfone sem fio para me deslocar melhor. Eu, com o meu lazer vermelho, com aquele terno xadrez meti-me a la “Steve Jobs” e realizei tudo aquilo para o que o rei havia me convidado. Desci do palco com a sensação de dever cumprido. Pena que o rei não estava lá para me cumprimentar, mas tudo bem, havia lá outras pessoas interessantes também para saudar a apresentação.

Passei aquela tarde assistindo a outras apresentações. Todavia, teve uma que me chamou a atenção. Era de um norueguês que falava de sobre Química e a reflexologia sóciomusical da era Moderna. Confesso que não entendi muita coisa e por isso mesmo fui falar com o apresentador. O camarada era bem jovem e quando perguntei o seu nome, ele disse: Osmundos. Pensei que havia ouvido errado e perguntei novamente em inglês, mas ele me respondeu em português: me chamo Osmundos. Pensei que ele estava tirando com a minha cara ou algo parecido, mas depois percebi que o nome dele era mesmo o que havia insistido em dizer. 

Conversamos ali por alguns minutos sobre o seu trabalho, sobre o trabalho na Noruega, os resultados alcançado, quando de repente Osmundos saca um convite para conhecer sua cidade, Oslo, e também o trabalho que desenvolvia na universidade. Pensei logo: será que minhas rifas e meus brigadeiros todos dariam praquilo tudo? Ir também a Noruega? Fiquei empolgado com o convite e respondi que iria sim, já naquela semana para aproveitar a proximidade das duas cidades e também do congresso.

Á noite, voltei para o hostel e novamente minha fé era testada com aquela retirada de sapato (nível 2 de fé, dessa vez), mas foi ainda mais testada quando vi o preço da passagem de avião para Oslo. Meu Deus! Eu teria que fabricar um caminhão de brigadeiro e ser sócio da Caixa Econômica pra conseguir rifar tudo o que tinha a fim de comprar aquela passagem. Pensei então em outra alternativa: ônibus!! Puxa vida, será que ônibus sueco mantinha alguma relação com os do Brasil? Mas que besteira a minha, claro que não. Os de lá deveriam ser super silenciosos, deslizarem quase que sobrevoando as estradas escandinavas e (claro!) com comissárias de bordo lindas e maravilhosas a servir  filé de salmão ou coisa qualquer coisa do gênero. Pronto. Fantasias à parte. Preço checado na net. Bilhete comprado.

No dia seguinte encontrei Osmundos no congresso para dizer que já tinha o bilhete comprado. O futuro anfitrião perguntou-me quando partia meu voo no outro dia ao que, meio sem graça, respondi que meu sobrevoo sobre as estradas sairia às 22h. Ele me perguntou duas vezes: sobrevoo sobre estrada? Eu disse sim, mas na terceira, respondi bem baixinho: vou de ônibus, Dr. Osumundos. Caracas, o camarada me olhou com uma cara do tipo: “PQP, de ônibus?????”. Fiquei sem graça, vermelho, mas ok ok ok. Eu com aquele blazer xadrez tive que me conter e dizer que esperava vê-lo já na quinta para as atividades em Oslo.

Depois daquele encontro (meio) desastroso com Dr. Osmundos resolvi que seguiria com um grupo do Congresso para visitar umas ONGs suecas. Queria saber se por lá, o rei deixa acontecer a bagunça e a corrupção que ocorre no Brasil. Eram duas visitas, mas a primeira foi a que mais me chamou atenção. Logo de cara, minha fé novamente seria testada, porque tinha que tirar o sapato (meu Deus, acho que voltei um homem renovado na fé …eheheh), mas em seguida vi o que realmente significa ser ONG. Tudo limpo, muito cuidado, muito arrumado. Tudo apresentável, tudo com dados exatos, com planilhas claras. E melhor, com uma assistente social que era linda, linda (para não fugir à regra sueca). Ficamos por lá por umas duas horas conhecendo o trabalho e seus resultados, e comendo umas delícias suecas. Tudo ali era mesmo de alto nível.

Segui então para o hostel depois das visitas, pensando na assistência social daquele país, mas principalmente pensando na cara do Osmundos quando disse que iria de ônibus. Meu Deus, por que o camarada teria me olhado com aquela cara? Gente, estava na Suécia e indo para Noruega. Será que os ônibus de lá eram parecidos com os paus-de-arara que levam peregrinos pelo nordeste brasileiro? Não seria possível isso. A passagem não foi barata. Tinha que haver algum segredo naquilo. Quando cheguei à porta era hora de tirar o sapato e testar pela última vez minha fé. Todavia, eu realmente mandei a tradição pra PQP e entrei de sapato mesmo. Tinha apenas mais 2 horas antes de meu ônibus partir pra Oslo. Tomei banho, fechei as contas do hostel e segui pra rodoviária central correndo.

 Chegando lá, fui logo verificar as condições do ônibus. Vi que era um ônibus normal. Isso já me deixou meio triste. Pensei que ia num daqueles Scania ou Volvo enormes e super confortáveis que lá também havia. Só que estes iam para outros destinos e não pra Oslo. Ok Ok Ok. Vamos pra sala de espera, quem sabe lá minhas expectativas voltem a aumentar. Só que quando por lá aportei……………

Comentários

  1. Adorei! Continue...
    E quando voltar ao Brasil terei que experimentar seus brigadeiros kkkkk
    Não conhecia seu lado chef de cozinha :)

    ResponderExcluir
  2. Me vende um brigadeiro??
    Maria Claudia

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Comente e deixe seu contato para estabelecermos uma melhor comunicação

Postagens mais visitadas deste blog

Freud não morreu. Ele está vivo e mora no sul do país.

                    Isso mesmo, caros amigos, Freud não morreu. Estive com ele na minha última viagem que fiz ao interior do país. Que emoção!                Pensei que se tratava de uma brincadeira qualquer, mas durante uma apresentação que fazia a alguns empresários no interior do sul do país, o camarada chegou (atrasado - pasmem vocês, ele já pegou essa mania brasileira), sentou-se, e prestou-me sua atenção. O que me impressionou, no entanto, foi o que disse após o evento. Ele me confessou que tinha gostado muito do tema da apresentação e que, por acaso, também estava desenvolvendo trabalhos sobre desenvolvimento sustentável ali naquela cidade. Meu Deus. Freud e Marina Silva estão agora lutando por uma mesma causa!                Confesso que levei um susto quando ouvi aquilo, mas pelo visto, neurose, complexo de Édipo, ego, histeria, psicanálise, sonhos já não ocupam mais o tempo de Freud. Os tempos mudaram, modernizaram-se. E Freud também! Agora, segundo ele, algumas coisas mais i

Comecemos a sorrir. Não nos custa nada!!!

Nós seres humanos temos seis bons motivos para sorrir cada dia. As pessoas risonhas vivem mais, gozam de maior saúde, tem melhores relações, são mais atraentes, desenvolvem sua inteligência e disfrutam de maior equilíbrio emocional, segundo alguns estudos. Para um bom humor, incluindo se não estão em seu melhor momento, seu sorriso transmite afeto, confiança e aceitação. Claro que nem todos os sorrisos são iguais. Guilherme Duchenne foi um médico francês que no século XIX estudou o tipo de sorriso que produz estes benefícios, denominado sorrido Duchenne. Um sorriso que envolve canais neurológicos com os centros emocionais do cérebro e a zona do córtex que regula os processos intelectuais. Nos bebês, por exemplo, o sorriso indiscriminado está associado à necessidade vital de apego. Indica que as pessoas lhe são interessantes porque os oferecem muitas possibilidades de intercâmbio e aprendizagem. A partir dos cinco meses, o bebê sorrirá apenas a quem reconheça como familiar,

Neoliberalismo e o mundo de coxinhas, asinhas, petralhas, recatadas do lar, entre outros.

O ex-presidente Fernando Henrique ficou marcado pelo início (ou continuidade) do processo de privatização. Hoje, mais de duas décadas depois, mencionar esse processo pode não ter grandes impactos, principalmente entre os mais novos. Ainda que os ouvintes tivessem ouvido falar sobre privatização, modernização do Estado, neoliberalismo, muitos não se esforçariam para defini-los. O anonimato do processo neoliberal intensificado (tardiamente em relação aos EUA, Inglaterra, Chile) é um sintoma e também uma causa de seu poder. Mais recentemente essa ideologia esteve ligada a uma variedade de crises: a financeira de 2007/2008, a crise das offshores que culminou no que foi chamado de Panama Papers e, mais recentemente, a eleição de Donald Trump. A maioria de nós responde a essas crises como se elas emergissem isoladamente, aparentemente sem ter consciência que elas foram catalisadas ou exacerbadas pela mesma filosofia coerente. Tão persuasivo que o neoliberalismo se tornou que quase