Pular para o conteúdo principal

Freud não morreu. Ele está vivo e mora no sul do país - Parte II

              Não sei o que se passa na cabeça de um vienense, mas certamente não dá para suportar observar completamente inerte uma mulata típica brasileira em trajes sumários a distribuir garrafinhas de aguardente no salão de desembarque do aeroporto, em pleno verão paulistano. Tá, não me pergunte o que é inércia nesse caso, nem mesmo qual a época desse verão paulistano, já que em São Paulo, num período de 24 horas, chove, faz frio e ainda dá pra fritar um ovo em plena Paulista. Mas tudo bem, acho que o id do grande guru não estava dando muita bola pro tempo em si, ele estava mesmo, embora não tenha admitido, interessado em apreciar toda aquela escultura divina, naquela sua inércia. Acho que tudo aquilo renderia boas discussões com o velho Pfister*.
             
 Nessa sua nova saga, agora em São Paulo, passado o choque aeroportuário, o grande guru resolveu se dirigir ao hotel que lhe fora reservado. Pelo caminho, não sei o que deu na cabeça do velho, lembrou-se com certa melancolia do período que esteve em Cuba. Não sei o porquê, já que a cidade mais parecida com La Havana é Salvador. Acho que o taxista pensou que ele era cubano, e resolveu dar um “rolé” pelo lado menos nobre de São Paulo.  Afinal, com aquela barba “à la Che”, com um  charutão na boca e um alemão misturado a espanhol e português não chegaríamos a uma conclusão diferente. No caminho, numa tentativa de estabelecer um contato com o grande guru, já que este parecia estar pouco interessado em contato, o taxista arranhou uma brincadeira num sotaque mais “hermanito” possível:  “me gusta mucho de Fidel, pero prefiero las cubanitas”. E danou-se a rir.  Acho que Freud não entendeu aquilo, mas pouco importava, já que o hotel havia chegado.
             Depois daquela incursão à cuba paulistana e devidamente instalado no coração da paulicéia desvairada, Freud resolver dar o seu próprio “rolé”, palavra adquirida poucos minutos antes com o taxista multiculturalista. Com o mapa da região em mãos, Freud estava mesmo decidido a sentir um pouco de como era aquela terra de que tantos falavam, como eram as pessoas, seus hábitos e, claro, suas neuroses. Será que as pessoas dali eram tão frias e indiferentes como as de Brasília? Sei lá. Pôs-se então a andar.
Começou a observar como as pessoas se olhavam, como se portavam, andavam e até mesmo gritavam nas ruas e a primeira coisa que reconheceu foi: todo paulistano parece estar disputando uma corrida de 100m rasos, dada a correria em que se encontra. E outra, sempre olhando para o chão e tentando buzinar. Poix. Depois de ter andado até o MASP, resolveu que desbravaria os arredores daquela Paulista. Talvez ali teria outra impressão. E teve mesmo. Desceu um pouco mais à frente, justamente na Bela Cintra. E o leitor pode me perguntar: “mais que droga é essa de Bela Cintra?” Calma leitor, eu não podia interromper o devaneio do grande mestre (lembre-se que esse texto surgiu de uma conversa relativamente rápida com Freud no interior paranaense). Já, já explico.
               Acho que naquele dia Freud estava com uma fome desvairada (afinal, aquela torradinha safada e aquele suquinho barato da Gol contribui apenas para aumentar as estatísticas da ONU quanto a fome extrema no mundo) e resolveu parar no Transamérica para saciar sua fome (disse que havia pegado a dica com o camarada do hotel). Uhhhhh, disse eu na minha inocência. Para o grande guru dinheiro não era problema. Subiu então para o terraço do hotel para se refestelar no melhor jantar da região. Aquela paisagem noturna realmente era de tirar o fôlego de qualquer ser humano, mas o que quase matou nosso guru foi ver novamente aquela linda mulata do aeroporto chegando sozinha ao restaurante, só que agora em trajes menos sumários, mas igualmente sugestivos. “Mas que hora inadequada para se chegar a um restaurante?!!??”, pensou Freud, “bem na hora que estou de saída?” Tudo bem, nosso guru, depois de anos de auto-análise conseguia matar tranquilamente as vontades de seu id e dar vazão a seu superego.
                Resolveu descer um pouco mais pela Bela Cintra, já que ainda era cedo da noite e “pááááááá”, para sua surpresa, um café bem no meio dos jardins paulistanos. Claro que não era como os vienenses ou parisienses, era mesmo à la Argentina. Como Freud não sabia do que se tratava resolveu entrar e sentar-se bem no fundo da loja, onde havia um sofá bem confortável, parecido até com seu divã de Viena. Tomou um cappuccino, leu o jornal do dia, pegou um livreto qualquer para ler. Parecia mesmo que estava na Europa…mas infelizmente aquela aura europeia foi interrompida por um grupo de adolescentes, tipicamente paulistanos, tipicamente americanizados. Roupas coloridas, meio rasgadas, tênis coloridos, make gótico (para meninas e meninos, creiam vocês), e todos cantando uma música horrível (que depois veio descobrir que era de uma cantora chamada Pitty). Enfim, talvez esse comportamento desviante fosse resultante da esquizofrenia por que aquela cidade parece estar assolada. Depois daquele contraste, Freud resolveu subir novamente a rua e dirigir-se para seu hotel, afinal o dia seguinte parecia ser decisivo.
                No caminho encontrou ainda alguns judeus, daqueles ortodoxos, com suas roupas pretas, chapéus e tranças mais inusitadas. Lembrou-se netão de seu pai, das obrigações a que era submetido etc etc etc. Momento melancólico de lado, chegou ao hotel, são, salvo e bastante cansado. Deitou-se com a esperança de que o outro dia seria melhor já aquele havia revelado muitas surpresas e choques (mulatas, adolescentes, corridas, judeus, cafés, entre outras).
                O outro dia, a priori, foi melhor que o anterior, já que, pelo menos até ali conseguira tomar um café da manhã melhor que aquele sem vergonha servido no avião da Gol. Seguiu seu caminho para a faculdade que o havia convidado para lecionar e administrar alguns negócios na paulicéia desvairada. Resolveu ir a pé mesmo. Quem sabe as impressões do primeiro dia seriam modificadas.
                  Para não deixar de seguir o ritmo de surpresas, a faculdade que tinha o convidado não parecia uma faculdade, mas uma multinacional. Não porque educação tenha virado um bom negócio, ou coisa do gênero, não por isso, mas porque havia recepcionistas bonintas iguais à de multi, elevador igual à de multi (com aquela tv lcd passando informações sobre as cotações da bolsa e ainda a derrota do corinthians do dia anterior…eheh), escritório parecido à de multi e o melhor, discurso igual a de uma multinacional. Nesse momento eu tive que perguntar ao amigo Freud: onde estavam os alunos daquela “faculdade”? Ao que prontamente me respondeu: isso é apenas um detalhe, deixe-me contar-lhe o resto da história.
                Segundo nosso guru, a conversa na faculdade foi rápida e bastante atraente. Ele seguiria para o interior do Paraná a fim de monitorar os negócios da faculdade paulistana/carioca naquele estado e em troca receberia um soldo bastante atraente. Só que havia um detalhe: ele deveria assinar o contrato final apenas no Rio, para onde seguiria no dia seguinte. Certos os acordos e lá se foi o guru rumo a cidade maravilhosa. Seguir para a cidade onde se fala de índices alarmantes de violência, causava-lhe certo desconforto, mas como era preciso seguir. Seguiu.
                No seu caminhar de volta, despretencioso e errante, pensava em como seriam aquelas cidades do interior, se pareceriam com as que já conhecia no Brasil ou teriam melhores ofertas de qualidade de vida. Coisa certa era que rumaria pra lá, quem sabe teria vida mais pacata e finalmente desenvolveria seus novos talentos informáticos e agora, ligados também ao desenvolvimento sustentável. Caminhou um pouco mais e chegou ao hotel, onde solicitou alguma sugestão para a noite, já que rumaria para a cidade maravilhosa apenas no meio da manhã do outro dia. Chamou-lhe a atenção o show de um gaiteiro famoso do RS e que, por coincidência, seria de graça e ainda nas proximidades do hotel. Algo imperdível. Subiu então para descansar.
               Horas passadas, energias renovadas, vestiu seu traje social e rumou para o show. Como o local do show não era tão perto assim, seguiu em seu caminhar a observar as neuroses paulistanas. Desta vez, contudo, outro ponto chamou-lhe atenção: como é grande o número de homossexuais naquela região de São Paulo. Muitos engravatados, outros nem tanto. Neste momento não me contive e tentei satisfazer duas curiosidades: 1) porque ele achava aquilo e 2) pra que time de futebol achava que aqueles rapazes torciam. Para a primeira pergunta eu realmente não consegui resposta, mas para a segunda o mestre não ficou sequer ruborizado: todos ali eram corintianos ou palmerenses. Confesso que tinha eu mesmo feito a mesma observação quando estive por lá, mas acho que é a mídia que implica em dizer outra coisa (ainda bem que ele ainda não tinha ido ao Rio, lá talvez dissesse sobre outra turminha vermelha e preto ..eheheheheh).
               Chegou, enfim, ao local do show, mas teve outra surpresa: os ingressos já haviam esgotado. Que fazer? Voltar tudo aquilo (perto de 4km) ou se achegar a uma fila que se formava do lado de fora do teatro? Por bem ou por mal, chegou-se à fila. Chegou-se a um rapaz qualquer e perguntou-lhe para que seria a “bicha” (eheheehh….em tempos de globalização e na Paulista, cabe bem o trocadilho..eheheh). O jovem explicou-lhe que algumas reservas de ingressos não se confirmavam e então costumavam distribuir esses ingressos ali na hora. Gostou da ideia e resolveu ficar. Como não era de ficar em silêncio mesmo, puxou algum assunto com o rapaz (acho que estava mesmo era analisando o rapaz tipicamente paulistano ….neuroses, psicoses, estruturas de defesa etc etc etc). A fila começou a andar, a andar, a andar. Nisso o rapaz pediu que nosso guru entrasse na sua frente, já que havia sinal claro de que vários ingressos estavam sendo distribuídos. Oba, a vez dele estava chegando. E a fila a andar, a andar, a andar, quando finalmente chegou a vez de Freud, a moça disse: The last one!!! Freud quis se certificar, afinal não estava mais em Londres: the last one??? E a moça confirmou: o último mesmo!!! Para o bem só dele e infelicidade geral de toda a fila, aquele era o último ingresso mesmo. Freud, então, olhou para o ingresso, mas principalmente para seu companheiro de fila que ficara sem ele e que gentilmente cedera seu lugar à frente na fila. E agora, o que Freud deveria fazer??



PS1: O que Freud deveria fazer com o ingresso????  Eehhehe...acho que a resposta só agora num outro post mesmo ....ehehehehhe
PS2: Devo confessar quis eu mesmo conferir o que há no Rio de Janeiro antes de colocar alguma coisa por aqui (principalmente da turminha vermelha e preto..eheheh). Assim comprei passagem e estou rumando pra lá semana que vem. Todavia, se você não se aguentar e quiser escrever para o nosso guru Freud e perguntar o que ele fez com o ingresso, mande-me um email que retransmito a ele....








Comentários

Postar um comentário

Comente e deixe seu contato para estabelecermos uma melhor comunicação

Postagens mais visitadas deste blog

Freud não morreu. Ele está vivo e mora no sul do país.

                    Isso mesmo, caros amigos, Freud não morreu. Estive com ele na minha última viagem que fiz ao interior do país. Que emoção!                Pensei que se tratava de uma brincadeira qualquer, mas durante uma apresentação que fazia a alguns empresários no interior do sul do país, o camarada chegou (atrasado - pasmem vocês, ele já pegou essa mania brasileira), sentou-se, e prestou-me sua atenção. O que me impressionou, no entanto, foi o que disse após o evento. Ele me confessou que tinha gostado muito do tema da apresentação e que, por acaso, também estava desenvolvendo trabalhos sobre desenvolvimento sustentável ali naquela cidade. Meu Deus. Freud e Marina Silva estão agora lutando por uma mesma causa!                Confesso que levei um susto quando ouvi aquilo, mas pelo visto, neurose, complexo de Édipo, ego, histeria, psicanálise, sonhos já não ocupam mais o tempo de Freud. Os tempos mudaram, modernizaram-se. E Freud também! Agora, segundo ele, algumas coisas mais i

Comecemos a sorrir. Não nos custa nada!!!

Nós seres humanos temos seis bons motivos para sorrir cada dia. As pessoas risonhas vivem mais, gozam de maior saúde, tem melhores relações, são mais atraentes, desenvolvem sua inteligência e disfrutam de maior equilíbrio emocional, segundo alguns estudos. Para um bom humor, incluindo se não estão em seu melhor momento, seu sorriso transmite afeto, confiança e aceitação. Claro que nem todos os sorrisos são iguais. Guilherme Duchenne foi um médico francês que no século XIX estudou o tipo de sorriso que produz estes benefícios, denominado sorrido Duchenne. Um sorriso que envolve canais neurológicos com os centros emocionais do cérebro e a zona do córtex que regula os processos intelectuais. Nos bebês, por exemplo, o sorriso indiscriminado está associado à necessidade vital de apego. Indica que as pessoas lhe são interessantes porque os oferecem muitas possibilidades de intercâmbio e aprendizagem. A partir dos cinco meses, o bebê sorrirá apenas a quem reconheça como familiar,

Neoliberalismo e o mundo de coxinhas, asinhas, petralhas, recatadas do lar, entre outros.

O ex-presidente Fernando Henrique ficou marcado pelo início (ou continuidade) do processo de privatização. Hoje, mais de duas décadas depois, mencionar esse processo pode não ter grandes impactos, principalmente entre os mais novos. Ainda que os ouvintes tivessem ouvido falar sobre privatização, modernização do Estado, neoliberalismo, muitos não se esforçariam para defini-los. O anonimato do processo neoliberal intensificado (tardiamente em relação aos EUA, Inglaterra, Chile) é um sintoma e também uma causa de seu poder. Mais recentemente essa ideologia esteve ligada a uma variedade de crises: a financeira de 2007/2008, a crise das offshores que culminou no que foi chamado de Panama Papers e, mais recentemente, a eleição de Donald Trump. A maioria de nós responde a essas crises como se elas emergissem isoladamente, aparentemente sem ter consciência que elas foram catalisadas ou exacerbadas pela mesma filosofia coerente. Tão persuasivo que o neoliberalismo se tornou que quase