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O evangelho do toma lá dá cá

                  Depois de ler o artigo publicado há alguns meses no jornal Folha de São Paulo, não pude deixar de pensar um pouco. O texto de Dom Dimas Barbosa, e aqui pauto minha "viagem literária", ressalta que a igreja Católica colheu várias assinaturas para a aprovação do projeto Ficha Limpa no Congresso Nacional e ainda que a CNBB participou das discussões do Congresso de Comunicação que houve há alguns dias aqui em Brasília. Talvez esteja extrapolando, e muito, o sentido do texto, mas é que não posso deixar de observar como a igreja Católica tem acesso livre aos canais de comunicação mais privilegiados do Brasil e nós evangélicos estamos relegados apenas aos horários "dos crentes" ou aos canais " dos crentes". Talvez seja esse um reflexo da nossa expressividade social no Brasil: políticos crentes corruptos e uma igreja que passa ao largo das necessidades sociais do Brasil, ou ainda como santos sacerdotes e santos levitas da parábola do Bom Samaritano.                      Abraços,
                    Quero, contudo, discutir levemente apenas três questões que ora me vêm a cabeça:  
                    1. O trabalho dos líderes políticos e evangélicos tem obtido resultados muito pífios e duvidosos, o que não traz qualquer vantagem para uma diferença eficaz entre os políticos e a sociedade. Com a desculpa de ajudar pobres e necessitados, a eleição de alguns mercenários (ligados ao sentido original da palavra) serve mesmo é para uma legislação em causa própria, sejam eles mesmos ou alguns grupos evangélicos (ex. Sara Nossa Terra, IURD, entre outras). Certo é que isso acontece não apenas com a casta dos evangélicos, mas em todas. Para os evangélicos que elegeram esses mercenário (não se esqueça do sentido original da palavra), a miscelânia de moral, carisma e religião traz a eles uma aura quase intransponível e sobre a qual não se repousa qualquer dúvida. Bastam-lhe algumas poucas palavras mais acalouradas, um discurso mais espiritualizado ou mesmo a participação em alguns rituais religiosos para garantir-lhes a impunibilidade, mesmo que eles coloquem em suas vestimentas, seus bolsos, ou em suas santas meias, dinheiro público ou outras oportunidades que faltam para a sociedade brasileira. 

                         2. A Igreja evangélica está completamente alijada do processo de transformação de que necessita a sociedade. Com exceção de alguns poucos líderes, aliás, pouquíssimos, a transformação está passando ao largo das portas das igrejas evangélicas. O que se observa, na realidade é uma política assistencialista "espiritualizada". São as cestas básicas distribuídas (aliás, bem esmilinguidas); é a sopa que é distribuída sob a condição de ouvir sobre a Bíblia; são os brinquedinhos de natal distribuídos única e exclusivamente nessa época; é a palavra da oferta da igreja em troca de uma multiplicação financeira; é a imitação barata do "Globo Comunidade"; é a distribuição de uma literatura que catequisa, mas que pouco ensina a pensar ou a questionar questões sociais e mesmo religiosas. Pouco se vê nas ruas as igrejas evangélicas participando dos movimentos sociais, dos movimentos sindicais, dos movimentos políticos (não com seus deputados, vereadores, senadores corruptos que fazem suas preces com dinheiro público em suas santas cuecas e meias) e até dos movimentos econômicos. Pouco se vê a igreja evangélica ir pra rua sem uma razão proselitista, sem uma ação do tipo "toma  ". A igreja na rua é vista apenas na "Marcha pra Jesus" ou ainda para brigar com o movimento Gay, como ocorre em São Paulo, às vezes. O que parece é que a igreja faz do ide por todo o mundoum ide por toda igreja.  A igreja deveria servir na realidade como agente de transformação social. Aliás, uma agente bastante privilegiada, já que consegue congregar pessoas de todas as classes e estirpes sociais (creiam vocês ou não, existem ricos que também são evangélicos! Ou ainda que os pastores da famosa oração do DEM estejam também nas igrejas). Observe. Se hoje os evangélicos representam perto de 20% da população brasileira (projeções a serem confirmadas agora no censo 2010), como é que não os vemos nas ruas, nas universidades, nas repartições públicas, nas empresas, brigando por condições melhores de moradia, de equidade social, de trabalho, de transporte, de saúde, de educação etc. Vemos esse grupo apenas confinados aos seus cultos de hora de almoço, ou ainda lembrados por conta daquelas correntes de email chatas que recebemos. Como é que não os vemos lutando por aí por causas realmente nobres e enobrecedoras? Você já imaginou se de um grupo de 5 pessoas que você conhece, uma fosse preocupada mesmo com o amor ao próximo e com uma libertação pela verdade, como fez Cristo? Já imaginou que se de um grupo de 10 pessoas, 2 delas lutassem para repensar os paradigmas políticos que aí estão, como fez Cristo? Já imaginou que se de um grupo de 20 pessoas, 4 delas fossem realmente preocupadas em levar saúde para as pessoas ou ainda na formação de crianças e adolescentes, como fez Cristo? Já imaginou que se de um grupo de 30 pessoas, 6 delas fossem realmente desprendidas e investissem "pesadamente" contra a discriminação racial ? Confesso que não seriam eles bastante aceitos, num primeiro momento, como foi Luther King, mas esmerando-se na força salvífica e transformadora, certamente a vitória estaria garantida.
                    3. Não posso ignorar completamente o que vem sendo feito pela igreja evangélica nesses quase 190 anos de presença no Brasil. Creio, contudo, que os resultados ora alcançados (expansão numérica do grupo evangélico e outros a isso atrelado) estejam muito mais atrelados a uma ética protestante e capitalista, como alega Max Weber, que a uma moral cristã e transformadora. Os limites denominacionais e o anacronismo educacional e político (próprios até da cultura brasileira) infestam e minam todas as possibilidades de um trabalho realmente expressivo.
                    
                  Quem sabe um dia surja entre os evangélicos a visão da missão transformadora do grande Mestre. Não apenas da ligada ao religare, não apenas da transformação das quatro paredes das igrejas, mas da transformação de vida que não para apenas no interior, mas que transpõe para o exterior e para o mundo.
                     Talvez teríamos um outro Brasil. Talvez andaríamos unidos por causas realmente nobres com católicos, judeus, muçulmanos, espíritas, budistas, ateus e talvez até com o pessoal da igreja ao lado que é de outra denominação, afinal, o Mestre andou com todos e por todos. O Estado seria laico, mas não por isso menos abençoado.
                    Talvez precisássemos de uma outra reforma protestante, de um outro Martinho Lutero, de outras 95 teses. Aí, quem sabe, não estaríamos confinados em nossas igrejas.
                      Mas isso é apenas um sonho.


                

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